Com a aposentadoria em dezembro da dúzia de Mirages em operação, militares temem que o espaço aéreo brasileiro fique sem proteção
Sílvio Ribas
A demora do governo em concluir a compra de 36 aviões de caça, para atualizar a frota da Força Aérea Brasileira (FAB), já ameaça a capacidade do país de proteção do espaço aéreo nacional, sobretudo o de Brasília. A novela, também conhecida como programa FX-2, se arrasta há mais de 12 anos e seu desfecho incerto ameaça reduzir o total de jatos do tipo em operação. Comprados de segunda mão da aeronáutica francesa e lotados desde 1995 na base aérea de Anápolis (GO), os 12 Mirages 2000 serão desativados em dezembro, quando também encerra o contrato de manutenção com a francesa Dassault.
Os aviões fabricados no começo dos anos 1980 e adquiridos pelo programa FX, do governo Fernando Henrique Cardoso, têm como principal missão defender a capital federal e ainda servem de apoio a outras bases. Militares ouvidos pelo Correio afirmam que essa aposentadoria já começou, gradualmente, e revelam apreensão com a chance dos modelos mais antigos em atividade, os norte-americanos F-5, serem cancelados por razões técnicas. Esses últimos têm baixa prevista só em 2025, mas são o principal alvo da licitação em curso.
Técnicos da FAB destacam ainda que a pequena frota do Mirage 2000, conhecida como de caças de múltiplas missões, tem vantagens sobre as 57 unidades F-5, como velocidade superior e alta performance em combate, além de poderem ser reabastecidos em voo. Ao contrário das duas primeiras frotas de jatos militares, os 53 AMX, fruto da parceria de Brasil e Itália, têm perfil de ataque e não o de defesa e interceptação.
Cobrada por multinacionais da indústria aeronáutica, governos e oficiais das Forças Armadas em torno da longa indefinição em relação à maior compra militar brasileira da história, orçada em US$ 7 bilhões, a presidente Dilma Rousseff avisa que só poderá ter uma resposta sobre o FX-2 no fim do ano. O Ministério da Defesa e a Aeronáutica encaminharam a ela ano passado pareceres definitivos sobre os concorrentes selecionados — o francês Rafale (Dassault), o norte-americano F-18 (Boeing) e o sueco Gripen (Saab). A assessoria do ministro Celso Amorim (Defesa) informou que o assunto é restrito ao Planalto.
Em outa ponta, o governo da França não consegue mais esconder a sua irritação com a demora na escolha pela Presidência da República entre as ofertas apresentadas, agravada pelos recentes sinais favoráveis à alternativa da Boeing. Uma prova desse descontentamento é que a aeronáutica francesa estará ausente este ano, pela primeira vez, no Cruzex Flight, exercício internacional da aviação de combate organizado pelo Brasil, com 11 delegações estrangeiras confirmadas.
São esperados 2 mil militares no maior evento dessa natureza na América do Sul, que será realizado em Natal (RN), em novembro. Sem apresentar justificativa e até então um dos destaques da atividade, os famosos caças franceses estarão ausentes pela primeira vez desde que o festival começou, em 2002. O Cruzex Flight também deverá representar um voo de despedida oficial da dúzia de Mirage 2000 da FAB.
Jean-Marc Merialdo, diretor da Dassault no Brasil, afirma não saber qual é a exata situação da concorrência internacional, “nem quando o governo decidirá ou mesmo se decidirá”. De toda forma, promete continuar atento à disputa, defendendo qualidades do produto e da parceria tecnológica incluída no pacote. “Acreditamos atender todos quesitos exigidos”, resumiu.