Os
presidentes sírio e russo em outubro de 2015, em Moscovo. Ação militar
de Moscovo tem sido fundamental para a sobrevivência de Assad | Reuters |
No poder desde 2000, o líder do regime de Damasco resiste contra tudo e contra todos. Com o apoio da Rússia e do Irã.
Bashar
al-Assad está hoje mais forte do que alguma vez esteve desde o início
da contestação ao regime de Damasco, a 15 de março de 2011. Há pouco
mais de um ano, o colapso parecia uma questão de tempo. A partir de
setembro de 2015, a situação inverteu-se com a campanha da aviação russa
contra alvos da oposição.
Mas os
sucessos no terreno não fazem esquecer que o conflito, apesar da frágil
trégua em vigor desde 27 de fevereiro, está a entrar no sexto ano,
causou mais de 260 mil mortos (outros números referem 470 mil), 4,5
milhões de refugiados no exterior e cerca de 7,6 milhões de deslocados
internos. Numa população de 22 milhões no início de 2011, mais de 50%
foram afetados pelo conflito e, segundo algumas estimativas, o regime de
Damasco não tem a viver nos territórios sob seu controlo pouco mais de
oito milhões de pessoas. E a Síria mudou: de uma economia relativamente
desenvolvida, moderna e de bom nível de educação, de uma sociedade laica
e pluralista no plano religioso, passou-se para uma economia dependente
do apoio iraniano para sobreviver, de escolas fechadas e
infraestruturas destruídas, e para uma sociedade dividida por linhas
religiosas intolerantes e interesses geoestratégicos regionais
antagónicos. A Síria, como poder regional, não existe neste momento.
Assad
tinha 34 anos quando chegou ao poder em 2000, forçando uma mudança
constitucional para ser candidato, pois a idade mínima para o cargo de
presidente era 40 anos. Para trás ficava uma licenciatura em
Oftalmologia, projetos de uma vida discreta em Londres, onde chegara a
fixar residência nos anos 90, tendo a seu lado a mulher, Asma Akhras,
nascida e criada na capital britânica, e antiga analista financeira na
J.P. Morgan.
A sucessão
A
morte do irmão, Bassel, num acidente de viação em janeiro de 1994,
mudou tudo. Bassel era o escolhido por Hafez al-Assad para lhe suceder e
Bashar foi a solução de recurso, mas o tempo demonstrou que soube
aprender depressa.
Assim como Asma, que
trocou as roupas ocidentais por longos vestidos tradicionais, de cor
austera, e surge agora com frequência em cerimónias fúnebres, abraçando
familiares de "mártires". Mas como um antigo conselheiro de Assad, Ayman
Abdel Nour, dizia em 2013 ao Daily Mail, a mulher do
presidente continuaria "obcecada em parecer elegante e bela" e
insistiria em "viver rodeada do maior dos luxos". Quem tenha acompanhado
Asma nas redes sociais percebe a diferença. A mulher de Assad pode
viver no maior dos luxos e permanecer a cosmopolita que era, mas nada
disso transparece agora.
Dizem antigos
colaboradores de Assad, que romperam com o regime quando se iniciou a
contestação, que aquele se tornou uma figura hermética, hábil e
calculista, como o pai. E no entanto quando chegou ao poder as medidas
iniciais de Assad quase antecipavam algumas das reivindicações da
Primavera Árabe, movimento que surgiria uma década mais tarde. Realizou
algumas reformas na área económica, abrindo setores como a banca à
atividade privada, libertou centenas de presos políticos, permitiu
alguma liberdade de expressão, autorizando a criação de um jornal não
estatal e prometeu criar uma "experiência democrática própria" para a
Síria. Na época chegou a falar-se numa "primavera de Damasco". Esta
acabou por não se materializar e quando se iniciaram os protestos, Assad
não hesitou em rotular os manifestantes como "terroristas".
Com
a escalada da violência tornaram-se raras as aparições públicas de
Assad, embora continue a ser mostrado nos media oficiais em cerimónias
religiosas e com pessoas nas ruas. Uma característica que permanece,
apesar de hoje a situação lhe ser propícia: a Turquia ataca os curdos e,
desde que abateu um caça russo a 24 de novembro de 2015 e perante as
ameaças de Moscovo, deixou de atuar com meios aéreos em território
sírio; a coligação internacional ataca alvos do Estado Islâmico e a
aviação russa, afirmando o Kremlin visar grupos islamitas, bombardeia
toda a oposição. No terreno, as suas forças estão na ofensiva com o
apoio dos Guardas da Revolução iranianos e o Hezbollah libanês.
Eleições em abril
No
plano político, Assad permitiu--se convocar legislativas para 13 de
abril, ainda que estas só venham a realizar-se sob controlo do regime de
Damasco, e mantém que só deixará o poder se for essa a "vontade dos
sírios". Da última vez que houve eleições presidenciais, em 2014, em que
votou menos de um terço do eleitorado e pela primeira vez na história
do regime se apresentaram vários candidatos, Assad obteve mais de 80%
dos votos.
Perante a determinada
intervenção russa, só uma alteração radical dos equilíbrios militares
pode mudar a perceção de Damasco, que não deixará de se refletir na
posição do regime nas negociações de Genebra, sob mediação da ONU, cujo
início está marcado para hoje.
Uma
estimativa do Institute for the Study of War, divulgada no final de
fevereiro, sustenta que só um mais direto envolvimento dos EUA, Turquia e
Arábia Saudita poderá infletir a presente situação.
Mas, como se viu
pelo frio acolhimento concedido à sugestão de Ancara e Riade para uma
intervenção militar terrestre na Síria, também por aqui Assad pode estar
tranquilo.
Longe vão os dias em que a
oposição realizava atentados contra altas figuras do regime, como o de
18 de julho de 2012 quando morreram o ministro da Defesa, o dirigente
dos serviços de informações militares, um general que era cunhado de
Assad e outras chefias, numa reunião em Damasco, ou desencadeava
ofensivas para controlar importantes cidades, como Aleppo, Homs e Maarat
al-Numan.
Fonte: DN