Foto: DCTA Divulgação/IAE/DCTA |
RIO - O Brasil não apenas tem ferramentas insuficientes para conter ações de espionagem operadas por satélites como está muito longe de conhecer os meios pelos quais informações estratégicas são capturadas pelos Estados Unidos ou por qualquer outra nação. Todas as missões de tecnologia de ponta “made in Brazil” para captar do espaço dados e imagens na Terra estão pelo caminho ou convivem com atrasos simbólicos de um programa que se notabiliza pela falta de planejamento de longo prazo.
Levantamento inédito feito pelo Globo permite afirmar que as cinco principais operações lançadas na última década para construir satélites ou foguetes — única fórmula para o teste completo de uma nova tecnologia no setor aeroespacial — já receberam R$ 1,5 bilhão. Porém, nenhuma missão foi concluída até hoje, o que torna o país incapaz de fabricar equipamentos que, ao menos, identificariam a localização do espião.
Como resultado, além da obsolescência de componentes e desperdício de tempo e dinheiro, o país é refém de quem o espiona para monitorar o que ocorre em território nacional. Pior: depende da boa vontade — ou não — de outros países para dar seguimento aos principais projetos neste setor, cuja marca é o rigor técnico e o controle de falhas.
Defeito difícil de justificar
Foi exatamente a falta de competência técnica que levou o Brasil a comprar dos americanos uma espécie de transformador que regula a energia de um satélite que deveria ter sido lançado no ano passado. Trata-se do satélite Cbers 3, o quarto de uma família de cinco equipamentos produzidos em cooperação com a China para o registro de dados e imagens da Terra.
Ocorre que este “transformador de energia” apresentou sérios defeitos. O lançamento está atrasado em pelo menos um ano. E fonte graduada do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirma: a compra do equipamento talvez “não tenha sido a melhor escolha” e “é difícil encontrar justificativa” para a quantidade de defeitos identificada nesse componente vital.
Curiosamente, o Brasil lançou há pouco menos de dez anos um projeto chamado de Plataforma Multimissão (PMM), cujo objetivo é exatamente o desenvolvimento do componente de suprimento de energia. Mas a missão da PMM ainda repousa em solo, dentro do Inpe.
O nó tecnológico se repete em sistemas ainda mais sensíveis, como a correção do rumo de uma câmera de vídeo a bordo de um satélite, que depende de um dispositivo para controle de atitude e órbita. Este mecanismo permite que o “dono do satélite” mude a rota de sua abordagem. Um sistema como esse, por exemplo, fez com que, na Guerra das Malvinas, os americanos mudassem o curso de um satélite e suspendessem o serviço de dados meteorológicos para o Brasil durante alguns dias. Só este ano o Brasil testará seu componente.
O ministro da Ciência e Tecnologia admite, sem rodeios, que o Brasil enfrentou graves dificuldades — seja por pressão externa ou por desorganização interna — para fazer engrenar o programa. E afirma que o país demorou muito a compreender que cabe à iniciativa privada, induzida pelo Estado, tocar os projetos que incorporam novas tecnologias.
— A marca do Programa Espacial Brasileiro é o atraso, não só na área de lançadores (foguetes) como de satélites. O Cbers está atrasado. Outros projetos estão atrasados. A minha opinião é que nós não temos um sistema eficaz de operacionalizar esse processo. Trata-se de repartições públicas de administração direta. O input de recursos é falho. Você não entrega os recursos na hora em que são necessários — afirmou ao GLOBO o ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp.
Oportunidade única perdida
Enquanto o Brasil patinou, China, Índia e Coreia do Sul fizeram seu dever de casa e usaram o que os técnicos chamam de “janela de oportunidade”, criada com o fim da Guerra Fria, para se aproximar minimamente dos grandes detentores de tecnologia espacial: EUA, Rússia, França e Japão.
Como ilustração, não há exemplo melhor do que o antigo projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS), cuja marca é um incêndio sem explicação determinada que matou 21 especialistas no Centro de Lançamento de Alcântara, há dez anos.
O projeto foi aprovado em 1979, como parte de um ambicioso plano para que o Brasil ingressasse no seleto grupo de países que dominam a tecnologia de uso do espaço para fins pacíficos. O VLS daria ao Brasil o conhecimento necessário para posicionar equipamentos no espaço, a chamada tecnologia de controle de órbita. Sem isso, não há voo espacial para pôr satélites em funcionamento.
Porém, passados 34 anos, o Brasil já aplicou cerca de R$ 350 milhões no VLS e ainda não domina essa tecnologia. O orçamento claudicou e equipamentos deixaram de ser comprados ou ficaram obsoletos a ponto de perder a garantia operacional. O projeto passou a respirar por aparelhos.
— Considerando-se a pressão do mercado externo e a busca por resultados efetivos, é cada vez mais difícil a manutenção do projeto com recursos esparsos, os quais causam constantes atrasos e até retrocesso no desenvolvimento do veículo — admitiu o gerente do VLS-1 no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), coronel Alberto Walter da Silva Melo Júnior.
O cronograma indica que o VLS será acionado entre 2015 e 2016. Para tanto, será preciso planejamento contínuo. Caso contrário, o atraso continuará sendo a única certeza constante.
Fonte: O Globo
Fonte: O Globo