Sauditas movem aviões para base
turca e estão prontos para ofensiva terrestre na Síria com o aval dos
EUA. Rússia nega morte de civis nos seus bombardeamentos em território
sírio e alerta para o risco de haver uma nova Guerra Fria
A ameaça explícita dirigida ao controverso líder da Síria surge um dia depois de Bashar al-Assad ter declarado, em entrevista à AFP, que a Arábia Saudita e a Turquia se preparam para invadir o seu país com o pretexto da luta contra os terroristas do Estado Islâmico. "É uma possibilidade que não posso excluir pela simples razão de que [o presidente turco Recep Tayyip] Erdogan é um intolerante, radical, pró-Irmandade Muçulmana e que vive o sonho otomano. O mesmo se passa com a Arábia Saudita", disse o presidente sírio. E avisou: "De qualquer maneira, uma tal ação não será fácil para eles e nós vamos com toda a certeza combatê-la."
Na entrevista à CNN, o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita admitiu que vai dar espaço às negociações de uma solução política e sublinhou que o seu país só enviará tropas por terra se a coligação internacional liderada pelos EUA apoiar e participar em tal ação. Apesar disso, a Arábia Saudita está a enviar aviões para a base de Incirlik, que fica na Turquia, confirmou ontem o ministro dos Negócios Estrangeiros turco. Numa entrevista ao jornal 'Yeni Safak', também à margem da Conferência sobre Segurança de Munique, Mevlut Cavusoglu confirmou: "A Arábia Saudita está agora a enviar aviões para a base de Incirlik."
Apesar de o secretário da Defesa dos EUA, Ash Carter, ter aplaudido a disponibilidade saudita para levar a sua participação na coligação anti-Estado Islâmico para além dos bombardeamentos aéreos, o presidente Barack Obama tem até agora resistido à ideia de se avançar para uma ofensiva terrestre. O chefe da diplomacia turca, porém, admite que se os norte-americanos decidirem entretanto dar luz verde a uma tal intervenção: "Turquia e Arábia Saudita podem juntar-se numa operação terrestre." Questionado sobre se tropas sauditas podem entrar em território da Síria a partir de solo turco, Cavusoglu sublinhou apenas: "É uma intenção, não há um plano. A Arábia Saudita está a enviar aviões e a dizer "Posso mandar soldados por terra caso seja necessário."
As principais potências mundiais acordaram na sexta-feira um cessar-fogo para a Síria, mas a Rússia salvaguardou o direito de continuar com os bombardeamentos contra os grupos de rebeldes que combatem o regime de Assad. Este prometeu, por seu lado, continuar a lutar até conseguir reaver o controlo sobre todo o país. Uma fonte militar síria que ontem foi citada pela agência Reuters afirmou que o exército sírio tenciona avançar sobre as posições controladas pelo Estado Islâmico em Raqqa. Um avanço sobre esta cidade, que está fora do controlo do regime de Damasco desde agosto de 2014, tornaria mais difícil de justificar uma ação terrestre da Arábia Saudita (país de maioria sunita frequentemente acusado de estar na origem do Estado Islâmico).
Segundo indicou a televisão estatal síria ontem, as forças leais ao regime de Bashar al-Assad (que além do apoio da Rússia conta com o Hezbollah e o Irão) recuperaram al-Tamura, uma das aldeias à volta de Aleppo. No início deste mês, o exército, apoiado pelos bombardeamentos aéreos russos, lançou uma ofensiva para cortar a ligação dos rebeles com a fronteira turca e, assim, tentar reconquistar a maior cidade da Síria.
A Rússia tem sido alvo de críticos por não cessar os seus ataques aéreos contra os rebeldes. "A imensa maioria dos bombardeamentos russos é dirigida a grupos da oposição considerados legítimos. Esta situação tem de mudar", declarou o secretário de Estado norte-americano, John Kerry. "Todos sabemos que para regressar ao caminho da paz têm de parar os bombardeamentos russos contra civis", afirmou, por seu lado, o primeiro-ministro francês, Manuel Valls. Ambos falavam no âmbito da Conferência sobre Segurança de Munique.
No mesmo evento, para surpresa de muitos dos presentes, o primeiro-ministro da Rússia negou todas as acusações. "Apesar de toda a gente nos estar a acusar disso, não há qualquer prova de bombardeamos civis. É falso", declarou Dmitri Medvedev, numa altura em que o conflito na Síria (a entrar no seu quinto ano) já fez pelo menos 470 mil mortos. O chefe do governo russo foi mais longe: "A política da NATO em relação à Rússia é pouco amistosa e, para ser sincero, parece que estamos a mover-nos rapidamente para um período de nova Guerra Fria."
Colaborou: Saulo Santana
Fonte: DN