Empresa quer fabricar navios e acaba de fechar contrato para monitorar fronteiras brasileiras
Melina Costa e Roberto Godoy
“Se
fazemos avião, por que não navio?” é assim que Luiz Carlos Aguiar,
presidente da embraer Defesa e Segurança, introduz a estratégia da
companhia de entrar em uma nova área: a dos navios de guerra. Os planos
foram revelados ao Estado ao mesmo tempo em que a companhia se prepara
para começar um de seus mais ambiciosos projetos na área de defesa.
Ainda hoje, a empresa anuncia que fechou um contrato com o Exército para
implementar a primeira fase do Sisfron, o sistema de monitoramento das
fronteiras brasileiras, um projeto que deve consumir, ao todo, R$ 12
bilhões. A fração inicial, porém, a cargo da Savis Tecnologia e Sistemas
e da OrbiSat (ambas controladas pela embraer Defesa e Segurança) é de
R$ 839 milhões.
Mas o que explica essa profusão de
projetos inéditos na história da companhia conhecida por seus aviões?
Parte da explicação está no renascimento do setor militar do Brasil, que
se deu em 2008, quando o governo criou a Estratégia Nacional de Defesa.
Só em 2011, o governo investiu R$ 74 bilhões na área de defesa, 23%
mais que o valor de 2010. A outra razão está na lógica da própria
Embraer: segundo a empresa, fazer navios não é muito diferente de
fabricar aviões. E o mesmo, por incrível que pareça, vale para o sistema
de monitoramento de fronteiras.
Explica-se: ao construir suas
aeronaves, a Embraer basicamente integra fornecedores de 60 mil itens de
modo a atingir prazo e custo esperados. Quando a empresa moderniza
equipamentos de outros fabricantes, o processo é semelhante. Esse é o
caso dos caças F5 da americana Northrop, usados pela Força Aérea
Brasileira (FAB). A estrutura dos aviões é pouco alterada, mas o miolo é
completamente transformado, com a troca dos componentes eletrônicos.
É exatamente essa expertise - de integrar
fornecedores ao redor de um projeto vultuoso - que a companhia espera
adotar ; na construção de embarcações.
Para que o plano saia o papel, porém, a
empresa precisa de um parceiro responsável pelo casco e já começou a
negociar com estaleiros nacionais e estrangeiros. O alvo das ambições da
Embraer é o Programa de Reaparelhamento da Marinha, que, entre outros
objetivos, anunciou a aquisição de 27 navios-patrulha de 500 toneladas
no valor estimado de R$ 65 milhões cada. Até agora, apenas sete dessas
embarcações foram encomendadas.
No Sisfron, a lógica da integração de
diferentes sistemas também se aplica. Nesse caso, não se trata de reunir
as partes de um produto único, como um navio ou um avião, mas um,
conjunto de produtos e serviços que vão desde o sensoriamento de uma
extensão de 650 quilômetros até o desenvolvimento de software e
treinamento de equipes. “A integração do todo é o grande diferencial da
Embraer. Aviões, muitos fazem, mas nós agregamos valor ao integrar
sistemas complexos”, diz Marcus Tollendal, presidente da Savis,
controlada da Embraer.
Guinada. Diante das
oportunidades na área de defesa, a Embraer criou, há dois anos, uma
unidade autônoma dedicada a esse mercado. Hoje, a divisão já é
responsável por 18% da receita da companhia e deve atingir um
faturamento de US$ 1 bilhão até o fim do ano. No terceiro
trimestre, o negócio foi o que mais cresceu na comparação com o mesmo
período de 2011, contribuindo fortemente para o aumento da margem bruta,
que atingiu seu maior nível nos últimos quatro anos. Esse resultado é
especialmente bem-vindo no momento em que a carteira de pedidos firmes
de aeronaves comerciais da Embraer está em queda. Só no último ano,
foram 70 aviões a menos, segundo os analistas do banco JP Morgan.
Uma breve retrospectiva dá uma
ideia do tamanho da aposta da Embraer em Defesa. Em dois anos, a
companhia adquiriu o controle de duas empresas, 50% de participação em
uma terceira e criou outras duas. A Embraer trabalha hoje na construção
de um satélite e está em fase avançada no desenvolvimento do cargueiro
KC-390, uma aeronave que deve levar sua unidade de defesa para um novo
patamar.
Até agora, o avião militar mais
vendido da Embraer atua em um mercado de US$ 3 bilhões. Para o KC-390, o
potencial apenas na reposição de aeronaves antigas, é de US$ 50
bilhões. “Em até dez anos, o KC-390 deve representar um terço da receita
da divisão”, diz José Antônio Filippo, diretor financeiro da Embraer.
A nova Embraer. Na opinião de
especialistas, os investimentos em defesa são, a princípio, benéficos
para a empresa. “A companhia diversifica seus produtos e cria um núcleo
propulsor de tecnologia, que pode ser usada para tornar a aviação
comercial mais competitiva”, diz Augusto Assunção, sócio da consultoria
PwC no Brasil e especialista no setor aeroespacial. “Ainda mais, os
projetos de defesa, por serem longos e ligados a governos, tendem a ser
uma fonte de recursos mais sustentável.”
Mas nem todos compartilham do otimismo.
“O movimento em direção à defesa é bom - o que me preocupa é que essa
pode ser uma reação aos resultados fracos da área comercial”, diz
Stephen Trent, analista de aviação do Citi. Os aviões comerciais são
responsáveis por 67% da receita da Embraer - e continuarão sendo o
carro-chefe da companhia. O problema é que, ao passo em que as demais
fabricantes registram recorde de pedidos, a Embraer amarga uma queda de
40% em sua carteira firme desde o pico, alcançado em 2008. Por trás
desse resultado está uma mudança recente no mercado de aviação, que tem
demandado aeronaves maiores que os modelos Embraer. A companhia acredita
na recuperação de sua carteira diante de novos pedidos das aéreas
americanas - até lá, porém, analistas e investidores estrangeiros mantém
cautela em relação aos resultados da empresa, independentemente dos
avanços da defesa. Um dado ajuda a entender o porquê. Segundo Trent, as
empresas de defesa são negociadas na bolsa por um valor 12% inferior às
empresas de aviação comercial. Do ponto de vista dos investidores, muita
proximidade com o governo pode trazer reveses.
Fonte: Notimp